Não há nenhuma dúvida que os momentos mais importantes da vida são definidos nos detalhes. Os momentos preciosos, os momentos tristes, os felizes, os inigualáveis, os realmente inesquecíveis. Aquele pequeno detalhe faz toda a diferença, e mesmo que deixemos muitas vezes deixar passar desapercebidos, foi o danado do detalhe que marcou, ou mudou, tudo.
Meus pais sempre me cobraram, com ironia, ser um bom jogador de futebol, pelo menos um bom pras peladas do dia a dia. Eu odiava. Odiava entrar em campo, odiava jogar, queria era ficar sozinho, não me entendia com aqueles meninos do meu prédio, com quem cresci junto, mas de hábitos tão diferentes dos meus. Eles viviam lá embaixo no parquinho, na piscina. na quadra, e eu em casa, estudando, paparicado pela minha mãe. Eu queria meus livros, minha tv, meu quarto, meus herois japoneses. E eles queriam que eu fosse comportado, mas que soubesse jogar bola como aqueles moleques pes descalços que faziam isso todo dia...
Odiava esportes.
Até que conheci o basquete. Descobri que meu pai jogava quando era mais novo, e fui tentar também. Se meu pai, que não jogava bola, jogava basquete, eu também deveria ter algum jeito. No inicio eu jogava porque meu pai gostava. Depois fui pegando gosto pela coisa, mas não sabia jogar muito bem, só me aproveitava da minha altura; cresci muito rapido e muito novo, aproveitei isso. Mas com poucos anos, minha altura já nao era diferencial, parei de crescer e os outros meninos me alcançaram, ou chegaram perto, e eu não jogava tão bem assim. Pensei em desistir.
E então, eu conheci o André. Negão, para os amigos. Sorriso fácil, pele quase azul, andar malandro, parecia vindo de uma comunidade mais pobre qualquer, mas era rapaz de família bem de vida, só era humilde como poucos, e adorava o basquete. Não só o esporte, a vida, o estilo de vida de quem realmente joga basquete.
Ficamos amigos. Eu ria, ele ria, e ele era um jogador formidável! Sério, conheci poucos como o André. Mas ele tinha um defeito, e nesse defeito eu me encaixei no time em que ele jogava, para poder auxiliá-lo: Andre era muito fominha, mas não por ser, porque era perfeccionista e não confiava em ninguém. Mas em mim sim.
Entrei no time porque o André passava a bola pra mim. Mas não era o suficiente pra ele. Ele me ensinou a jogar. Como arremessar melhor, como me dedicar, como correr, como driblar, como marcar.
Aos poucos, mais que amigos, viramos rivais, cordiais rivais disputando bolas e posições. E a mesma garota.
Claro, sempre tem uma garota.
André venceu na quadra. Eu venci... no resto. E não estou me gabando, muito pelo contrário. No basquete eu encontrei refugio, paz, plenitude. No esporte, nesse esporte que aprendi a jogar bem graças ao Negão, me encontrei. Perdi minha timidez, fiz muitos amigos, virei popular (o que é otimo quando se é adolescente), namorei muito, viajei, ri, me diverti, cresci.
André me mostrou o caminho que eu segui.
E em troca, por rivalidade, brincadeira, ele me venceu no jogo, e eu o venci no amor. Não me orgulho disso. Ele realmente amava aquela menina, e eu gostava dela, mas apenas como uma boa cia. Magoei meu amigo, mas ele jamais deixou de se-lo. Pelo contrário, se tornou ainda mais parceiro, mais amigo, mais irmão.
Meu irmão negão, André.
Acabou o segundo grau, cada um pro seu lado, perdi um pouco o contato, apenas jogavamos basquete, claro, uma vez por mes. Uma noite André não foi. Senti um aperto no coração. Senti saudades, sim, saudades, porque também se sente saudades de amigos, e não só de amores, isso se não fosse amor de amigo o que tinhamos, uma irmandade que jamais voltei a sentir. Nem com minha irmã de sangue, e eu a amo.
No dia seguinte, não conseguia me concentrar nas aulas, estava com calafrios, aperto no peito, algo estava errado. Então o telefonema: André estava morto. Assassinado. Assalto. No portão de casa. Aparentemente ele não reagiu, apenas correu após entregar carteira e celular, conforme testemunhas. Três tiros nas costas.
Meu irmão não se drogava, não brigava, não fazia mal a ninguém. Seu sonho era ser jogador da liga norte-americana de basquete (NBA), e sinceramente, ele era bom o suficiente. Três tiros covardes. Dezenove anos.
E eu nunca mais joguei basquete. Não fazia mais sentido, sem o André. Oito anos se passaram, e eu não entrei novamente em quadra, apenas dei uns arremessos solitários, nos momentos de saudade, como homenagem ao meu amigo.
Até hoje.
Estacionei meu carro aqui no prédio, a alguns meses transformaram o campinho numa quadra poliesportiva. Mas nunca tinha visto realmente gente jogando basquete, hoje havia. Parei pra assistir, um grupo de coroas, e um garotinho. Ainda desajeitado, tenando jogar no meio dos gigantes, perdendo bola o tempo todo, mas guerreiro, não desistia. Insistente, chato, como o André. Sorri. Saudades do meu irmão.
Então o garoto cansou, me viu assistindo e pediu pra entrar no lugar dele, me chamando de tio. Disse que não, não sabia jogar. Ele insistiu, e então alguem la na quadra gritou pra ele voltar:
"Vai parar, André?"
André.
Hoje eu joguei basquete novamente. Com o André.
Saudades, meu irmão! Te amo.